A NR 1 compõe o extenso rol de normas do Ministério do Trabalho que estabelecem fundamentos para a proteção da saúde e da segurança no ambiente de trabalho. Sua tradição remonta à portaria MTB 3.214, de 1978, que consolidou as primeiras normas do gênero, abarcando desde os requisitos para uso de EPIs até as rotinas de controle de riscos ambientais.
A NR-1, em sua essência, sempre teve a finalidade de:
Estabelecer disposições gerais de saúde e segurança aplicáveis a todos os empregadores e trabalhadores urbanos e rurais, sejam integrantes da iniciativa privada, da administração direta ou indireta, desde que regidos pela CLT.
Criar uma base conceitual unificada para interpretar e aplicar as demais NRs – normas regulamentadoras – funcionando como um verdadeiro “preâmbulo” normativo.
Ser o fundamento jurídico para o desenvolvimento do GRO/PGR – Programa de Gerenciamento de Riscos Ocupacionais, que deve identificar, classificar, monitorar e controlar todos os riscos presentes na atividade laboral.
Afastar dúvidas sobre quem tem obrigações, quem é protegido e qual o objetivo da regulamentação: garantir que o direito constitucional à saúde (arts. 6º, 7º, 193 e 225, CF/88) seja efetivamente respeitado nas relações de trabalho.
Ao longo das décadas, a NR-1 foi atualizada para acompanhar não apenas as mudanças produtivas e tecnológicas, mas também demandas sociais e científicas sobre o que significa, na prática, um ambiente de trabalho seguro e saudável.
Para quem vale?
Aplica-se a todas as organizações que mantenham trabalhadores sob o regime da CLT, abrangendo a iniciativa privada e órgãos públicos quando atuando como empregadores celetistas.
Quem protege e com que finalidade?
Protege todos os trabalhadores, independentemente de cargo, função ou nível hierárquico e, agora, vítimas potenciais de riscos psicossociais. Sua finalidade última é garantir a preservação da vida, saúde física, mental, social e emocional do ser humano em sua jornada laboral.
2. Os riscos psicossociais e o assédio: A nova fronteira normativa
O salto mais inovador da NR-1 está no reconhecimento explícito dos riscos psicossociais como perigo ocupacional. Mas o que são esses riscos?
2.1 Conceito de riscos psicossociais
Tratam-se de fatores relacionados à organização, ao contexto relacional, às condições de trabalho, pressões e estilos de gestão que, direta ou indiretamente, podem provocar sofrimento mental, adoecimento emocional, isolamento, perda de autoestima, baixa produtividade e até mesmo doenças psicossomáticas.
Tais riscos podem se desenvolver, a partir da prática de violências, como:
Assédio moral (vertical, horizontal e organizacional): Condutas sistemáticas ou pontuais de humilhação, boicote, exclusão, desqualificação que ameaçam a dignidade da pessoa trabalhadora.
Assédio sexual: Imposição ou solicitação de favores sexuais, abordagens indesejadas, chantagens para obtenção de vantagens ou favorecimento, propositadamente em posição de superioridade hierárquica ou de ascendência.
Assédio eleitoral: Pressão para se posicionar ou votar a favor de interesses da chefia ou da empresa, sob ameaça de demissão ou prejuízo.
Bullying e cyberbullying: Repetição de atos de violência, humilhação, ridicularização ou exposição em ambientes digitais, com efeitos multiplicados pela viralização.
Stalking: Perseguição reiterada, física ou digital, capaz de causar medo e restrição da liberdade.
Burnout, depressão e ansiedade: Resultantes de culturas organizacionais tóxicas, excesso de demanda e falta de acolhimento.
Discriminação, racismo, misoginia e LGBTQIAPN+fobia: Fatores que cruzam com o assédio em ambientes de menor ou maior tolerância à diversidade.
A nova NR-1, ao obrigar a incorporação dos riscos psicossociais ao PGR, determina que sua prevenção e enfrentamento não são “boa prática”, mas um dever legal.
A implementação das novas regras: Interseção com a NR-17 e práticas empresariais eficazes
A NR-1 dispõe que é obrigatório diagnosticar, avaliar, monitorar e adequar o ambiente organizacional quando se tratar de fatores psicossociais – exigindo metodologia multidisciplinar. Entretanto, como mapear riscos tão difusos? A resposta está na articulação conjunta da NR-1 com a NR-17 (ergonomia).
Etapas obrigatórias para empresas:
- Diagnóstico pelo PGR: Levantamento de riscos com base em entrevistas, aplicação de questionários, escuta ativa, grupos focais e indicadores objetivos (absenteísmo, afastamentos, volume de denúncias, clima organizacional).
- Planos de ação: Elaboração de políticas internas claras sobre assédio, prevenção e acolhimento, integrando códigos de conduta, canais anônimos e protocolos transparentes de apuração.
- Comunicação e capacitação: Treinamentos obrigatórios para todos os níveis hierárquicos, com linguagem acessível, exemplos práticos, abordagem sociocultural e ênfase em empatia e escuta qualificada.
- Canais de denúncia e acolhimento: Estruturas independentes, com garantia real de anonimato, proteção contra retaliações, registro ordenado e previsão de acolhimento psicológico, além de processo investigativo com aplicação das punições quando devidas.
- Monitoramento permanente: Reavaliação periódica do PGR, especialmente após alterações nas relações de trabalho, denúncias relevantes ou reorganização estrutural.
A NR-17 – especialmente após sua aproximação com a NR-1 – aponta caminhos complementares, exigindo análise psicossocial transversal, respeito à diversidade, cuidado com o tempo de descanso, ergonomia mental e física, e ambientes com relações de autoridade bem delimitadas.
Empresas e profissionais devem equilibrar acolhimento e critérios técnicos, garantindo que os canais não se deturpem em “muros de lamentação” ou se transformem em instrumentos de vingança. O treinamento em inteligência emocional, a formação ética de lideranças, a validação de denúncias por equipe multidisciplinar e a transparência dos processos são ferramentas indispensáveis.
Soluções: Educação continuada para todos os atores, definição hermenêutica precisa do conceito de assédio, supervisão ética dos canais, acolhimento sem permissividade e, sobretudo, formação de adultos aptos a conviver, ouvir críticas e desenvolver resiliência sem perder a capacidade de reivindicar direitos legítimos.
Ao determinar que os riscos psicossociais sejam identificados, monitorados e prevenidos com o mesmo rigor dos demais riscos ocupacionais, a norma confere estatuto ético e jurídico à promoção da dignidade emocional no trabalho. As empresas ganham a oportunidade de transformar suas rotinas, fortalecer sua reputação e impulsionar produtividade, mas precisarão lidar com desafios operacionais, culturais e éticos cada vez mais complexos.
O futuro exige equilíbrio, maturidade e empatia – princípios que, na visão da NR-1 e de uma sociedade civilizada, são inegociáveis.
Acesse:
https://www.migalhas.com.br/depeso/433919/nr-1-e-a-nova-era-da-saude-mental-no-trabalho